quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Causos do Futebol - O preço de ser jogador de bola

* Michel Laurence - Um dos fundadores da Revista Placar e criou o btradicional prêmio bola de Prata em 1970

Conheci e conheço grandes jogadores de futebol.

Alguns foram e são grandes amigos.

Tive o prazer, como “peladeiro”, de jogar com alguns.

Joguei com um que talvez poucos se recordem. Um central chamado Edson, que era do América, jogou na Seleção e foi fazer a vida no Boca Juniors, onde, naquela época, pagavam mais.

Joguei com Jairzinho, que viria a ser o Furacão da Copa, ainda garoto e com Nei, que nem sonhava em ser pai do Dinei, que jogou principalmente no Corinthians.

Joguei com Simões, um centro-avante do Bonsucesso que, depois, defendeu o Fluminense e vários outros clubes do Rio.

Joguei com Edu, um meia fantástico, irmão de Antunes e Zico, durante uma excursão interminável pelo Caribe e América Central, onde eu e o doutor Oscar Santamaría completávamos o time reserva nos treinos do América.

Um time que tinha Wílson Santos – um zagueiro de qualidade, campeão em 60, e que estava iniciando carreira como técnico; Eduardo, um ponta-esquerda que veio para o Corinthians e, infelizmente,morreu com o lateral Lidu num acidente de automóvel na marginal do Tietê.

Alemão, um zagueiro,irmão do goleiro Manga; aprendi muito com o goleiro Ari, que tinha o apelido de “Caroço”; Farah; Ica, que não sabia se era uruguaio ou brasileiro porque tinha nascido na fronteira dos dois países.

Luciano, um pastor evangélico e lateral duro na marcação. Sudaco, que hoje seria considerado um antiatleta, mas que jogava uma barbaridade.

Bati bola com João Carlos, um meia que foi do Fluminense e defendeu o América por muitos anos, nas peladas da praia do Flamengo.

Joguei com Cané, um ponta-direita do Olaria, que foi um dos primeiros a ir para a Itália. Jogava muito, por onde será que anda?

Joguei com Rodarte, que também foi para a Itália. Drumond, um centro-médio elegante como poucos.

Joguei com Orlando Pingo de Ouro, com Ademir Menezes, artilheiro da Copa do Mundo de 50 com 9 gols.

Com todos eles aprendi um pouco ou muito, principalmente depois dos jogos, quando a gente ia tomar uma cervejinha e vibrar com a vitória ou chorar a derrota.

E aprendi a ouvir, ouvir histórias maravilhosas. Algumas alegres, outras muito tristes.

De um grande jogador – que vou esconder o nome pelo imenso respeito que tenho por ele – ouvi a mais terrível de todas.

Feliz, um dia ele chegou em casa e disse para a esposa – uma moça fina, de boa família, que acabava de lhe dar o segundo filho:

- Parei com a bola – sorriu um sorriso sem graça e completou – antes que ela parasse comigo. Cheguei a um acordo com a diretoria. Foi tudo tranqüilo, tudo amigo.

A mulher sabia o quanto devia ter custado ao marido a decisão de deixar de ser jogador.

Sabia, mas não disse nada.

Era o certo, ele tinha que parar antes de ser ridicularizado, em respeito a tudo o que tinha realizado.

A partir daquele dia, o ex-jogador mal saía de casa. Quando saía, algumas vezes voltava com o cheiro do uísque que tinha tomado com os amigos.

Viveu uma experiência terrível. Alguns “amigos”, quando cruzavam com ele pelas ruas, mudavam de calçada achando – como era comum – que ele estava em péssima situação financeira e que ia pedir dinheiro emprestado.

Não era o caso.

Ele tinha feito um bom pé-de-meia e iria certamente viver sem muitas dificuldades o resto de sua vida.

Um dia, passados uns cinco meses desde que tinha encerrado a carreira, ele chegou em casa sem ter bebido um pingo de álcool quando a esposa o chamou:

- Fulano, vem cá, preciso conversar com você.

Pelo tom de voz ele suspeitou que não era coisa boa.

Beijou a mulher e sentou pronto para ouvir uma das costumeiras reclamações. Reclamações educadas, mas reclamações.

- Olha, quero me separar de você – disse ela secamente.

Ele tomou um susto, como se tivesse levado um soco no peito.

- O que é isso? O que eu fiz? Não diga uma coisa dessas!

Ela já chorando, mas decidida, continuou:

- Não quero mais viver com você.

Ele estava completamente tonto, não conseguia raciocinar direito, e apenas perguntava:

- O que eu fiz?

- Você não fez nada – respondeu a mulher chorando –, não fez nada… mas … eu não casei com você! Casei com aquele homem que jogava bola, você é outro homem. Um homem que não conheci… que só estou conhecendo agora e que não é o homem com quem casei…

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